“Todos os narcóticos, estimulantes, relaxantes e alucinógenos naturais conhecidos do botânico e do farmacólogo modernos foram descobertos pelo homem primitivo e estão em uso desde os tempos imemoriais. Uma das primeiras coisas que o homo sapiens fez com sua racionalidade e sua autoconsciência recém-desenvolvidas foi utiliza-las para encontrar meios de atalhar o raciocínio analítico e de transcender ou, em casos extremos, obliterar temporariamente a isoladora consciência do eu.
Experimentando todas as coisas que cresciam no campo ou na floresta, eles se apegaram àquelas que, nesse contexto, pareciam boas – isto é, tudo que mudasse a qualidade da consciência e a tornasse diferente, não importava como, dos sentimentos, das percepções e dos pensamentos cotidianos.
Entre os hindus, a respiração ritmada e a concentração mental substituíram até certo ponto as drogas alteradoras da mente usadas em outros lugares. Mesmo na terra da ioga, mesmo entre os religiosos e mesmo visando objetivos religiosos especiais, a cannabis indica tem sido usada livremente para suplementar os esforços dos exercícios espirituais.
O hábito de tirar férias do mundo mais ou menos purgatorial, que nós criamos para nós mesmos, é universal. Moralistas podem denunciá-lo, mas, apesar dos discursos desaprovadores e da legislação repressiva, o hábito persiste, e as drogas alteradoras da mente estão disponíveis em toda parte. A fórmula marxista ‘A religião é o ópio do povo’ é reversível, e pode-se dizer, ainda mais verdadeiramente, que ‘O ópio é a religião do povo’. Em outras palavras, a alteração da mente, mesmo que produzida (seja por meios devocionais ou ascéticos ou psicoginásticos ou químicos), sempre foi considerada um dos maiores, talvez o maior, dos bens alcançáveis.
Até o presente, os governos pensaram sobre o problema das substâncias químicas que transformam a mente somente em termos de proibição ou, um pouco mais realisticamente, de controle e taxação. Nenhum deles, até agora, estudou-o em seu relação com o bem-estar individual e a estabilidade social; e muito poucos (graças a Deus!) pensaram nele em termos de estadismo maquiavélico. Por causa dos interesses disfarçados e da inércia mental, insistimos em usar o álcool como nosso principal transformador da mente – exatamente como nossos ancestrais neolíticos. Sabemos que o álcool é responsável por uma alta proporção de nossos acidentes de trânsito, nossos crimes de violência, nossos sofrimentos domésticos; no entanto não fazemos esforço algum para substituir essa droga antiquada e extremamente insatisfatória por algum novo alterador da mente menos maléfico e mais esclarecedor.”
“(…) [A Experiência com mescalina] é sem dúvida a experiência mais extraordinária e importante disponível aos seres humanos no lado de cá da Visão Beatífica. (…) O fato mais extraordinário sobre a mescalina – o princípio ativo do peiote, um cacto usado pelos índios norte-americanos em suas cerimônias religiosas, e agora sintetizado – é que ela é quase inteiramente atóxica. Não há conseqüências físicas desagradáveis, exceto uma ligeira sensação de náusea no princípio, e não há queda na capacidade intelectual, e absolutamente nenhuma ressaca – apenas uma transformação de consciência de modo que a pessoa sabe exatamente o que William Blake queria dizer quando afirmou: ‘Se as portas da percepção fossem purificadas, tudo apareceria como realmente é, infinito e sagrado’.”
ALDOUS HUXLEY.
Moksha – Classic Writings on Psychedelics
and the Visionary Experience.
Publicado em: 05/08/11
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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